Uma análise crítica das condições de trabalho na indústria têxtil desde a industrialização do setor até os dias atuais
Artigo originalmente publicado na Human Factors in Design - HFD Revista, v.5, n.10, p.73-90, ago/dez 2016
Versão integral em: http://www.revistas.udesc.br/index.php/hfd/article/view/8832/6198
Tatiana C. Longhi1
Flávio A. N. V. dos Santos2
RESUMO
As atividades ligadas
à indústria têxtil foram parte do processo que levou à Revolução industrial na
Inglaterra e no mundo. Porém, as condições de trabalho dos operários (a maioria mulheres e
crianças) eram penosas, e
a segurança no trabalho não era uma preocupação dos empregadores. Atualmente, através
da Ergonomia, que adapta o trabalho ao homem, há uma série de normas para garantir
a integridade do trabalhador. Entretanto, ainda hoje existem empresas que utilizam
mão de obra infantil, jornadas exaustivas, pagamentos irrisórios e ambientes
insalubres. Esse artigo apresenta uma visão crítica acerca das condições de
trabalho especialmente na confecção do vestuário na atualidade.
INTRODUÇÃO
O trabalho é uma forma de atividade humana,
resultante de um conjunto de esforços (físico, intelectual, social,
psicológico, motor, cognitivo etc) provenientes do ser humano. Nas palavras de
Guérin et al. (2001, p. 16), “Sem atividade humana não há trabalho, mas pode
haver uma produção”.
A indústria têxtil, desde os primórdios da
Revolução Industrial em meados do século XVIII, se desenvolveu baseada em dois
pilares fundamentais – a gradativa evolução das máquinas e a mão de obra
abundante e barata disponível. Essa disponibilidade de pessoas existia em
função das condições sociais e políticas da época, uma vez que além de famílias
inteiras que se ofereciam para trabalhar ainda havia uma massa de imigrantes em
busca de qualquer trabalho. Assim, a mão de obra disponível dividia-se
basicamente em duas categorias – famílias que viviam no campo e imigrantes,
principalmente irlandeses. As famílias inglesas eram compostas pelo pai, pela
mãe e pelas crianças e todos, a partir dos cinco anos de idade, já buscavam
algum tipo de trabalho nas décadas iniciais da industrialização.
Nesse período, a produção era pautada pelo
desempenho e limitações das máquinas e não das pessoas. Dessa forma, conforme
os engenheiros e mecânicos proviam uma máquina com alguma melhoria técnica,
essa mudança também modificava o modus
operandi das fábricas e oficinas. Para algumas máquinas era preciso um
operário principal e vários ajudantes; para outras, somente dois operadores.
Toda a oportunidade de substituir o trabalho dos homens ingleses pelo de
mulheres, crianças e imigrantes era imediatamente aproveitada a fim de limitar
os gastos com pessoal.
Durante esse período ainda não havia noções
de sanitarismo e segurança no trabalho, pois segundo Dul e Weerdmeester (2004),
a ergonomia só se desenvolveria como uma ciência durante a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945). Nesse período, todos os esforços foram feitos no sentido
de reunir tecnologia, ciências humanas e biológicas na solução de problemas de
projeto, nesse caso na operação de equipamentos militares complexos. O trabalho
conjunto de médicos, psicólogos, antropólogos e engenheiros foi tão frutífero
que determinou o desenvolvimento da Ergonomia como ciência, que seria utilizada
pela indústria em geral.
A ergonomia é a ciência que busca adaptar o
trabalho ao homem, considerando as suas habilidades e limitações. No entanto,
conforme Guérin et al. (2001), existem muitas situações em que devido a
aspectos financeiros, técnicos ou organizacionais não existe uma reflexão sobre
o lugar do ser humano no sistema de produção. Sem considerar as limitações
humanas em função do próprio ambiente de trabalho, quando ocorrem incidentes,
frequentemente culpam-se os próprios trabalhadores de descuido ou inépcia.
O principal produto impulsionador da evolução no
maquinário fabril: o algodão
Diversos fatores influenciaram a
Revolução Industrial ocorrida no século XVIII, tais como a demanda e a
disponibilidade da matéria prima, que no caso do ramo têxtil era o algodão.
No século XVII, segundo Pezzolo (2007),
navios europeus traziam carregamentos de algodão estampado da Índia, comprados
a peso de ouro pela nobreza e pela burguesia. A demanda crescente por esses
tecidos, leves, brilhantes e com estampas exóticas, impulsionou a criação de
manufaturas na Europa, que passaram a concorrer com a mercadoria indiana. Mas
as primeiras tentativas de imitação foram medíocres, pois os artesãos indianos,
além de extremamente habilidosos, possuíam conhecimentos técnicos tradicionais
que permitiam uma maior fixação da cor. Assim, de acordo com Hobsbawm (2009) ainda
no final do século XVII, os fabricantes de têxteis obtiveram a proibição da
importação de tecidos de algodão estrangeiros, o que possibilitou o
fortalecimento do mercado interno, até que este ficasse forte o bastante para
exigir a sua entrada no mercado de outros países.
Em 1750 Londres tinha em torno de 750.000
habitantes, o que a tornava a maior cidade da Cristandade, aproximadamente duas
vezes maior que Paris, conforme Hobsbawm (2009). Nessa época havia uma
crescente produção algodoeira alicerçada pelo trabalho escravo. Em 1753,
segundo Pezzolo (2007), Londres recebeu o primeiro carregamento de algodão
vindo dos Estados Unidos. Porém, foi somente em 1794 que os preços baixaram, com
a invenção da máquina de descaroçar, pelo americano Eli Witney, que separava os
grãos das fibras, trabalho que era feito à mão até então.
Em 1801, a indústria do
vestuário na Europa consumia 78% de lã, 18% de linho e 4% de algodão. Um século
depois, as proporções eram de 20% de lã, 6% de linho e 74% de algodão.
(PEZZOLO, 2007). De fato, segundo Yafa (2005 apud Burns e Bryant, 2007) em fins
de 1890, 3/4 das roupas na Europa e nos Estados Unidos eram feitas de algodão.
O
aprimoramento das máquinas
Como dito
anteriormente e conforme Hobsbawm (2009), um dos fatores que provocaram a
industrialização está relacionado à matéria-prima do vestuário, principalmente
o algodão. Isso porque, o problema técnico que levou a mecanização na
fabricação do tecido de algodão foi o desequilíbrio entre a eficiência da fiação
e a eficiência da tecelagem. A roca de fiar era um mecanismo menos produtivo
que o tear e já não supria os tecelões com fios em quantidade suficiente.
De acordo com Henderson (1969), essas foram
invenções fundamentais que alteraram a produção:
·
Em 1733,
John Kay inventou a lançadeira impulsionada, que duplicava o rendimento do
tecelão de tear manual. Construiu também uma máquina para cardas desenredarem
as fibras antes da fiação.
·
Em 1759,
um dos filhos de Kay inventou o caixão de lançadeiras múltiplas, no qual uma
peça de pano podia ser tecida em três cores, quase tão depressa quanto uma
branca.
·
Em 1760,
James Hargreaves inventou o jenny
(fiandeira múltipla manual), que permitia ao fiandeiro trabalhar com oito fusos
em vez de um – também chamada de Spinning
Jenny.
·
Em 1769,
Richard Arkwright inventou uma máquina de cardar com motor hidráulico.
·
Em 1779,
Samuel Crompton inventou uma máquina movida a água, chamada de mula, por
combinar característica de duas outras, conhecida como Spinning Mule. (BRAUDEL, 1996).
·
Em 1784,
o reverendo Edmund Cartwright construiu um tear mecânico
(power loom), ainda bastante rudimentar. (BURNS e BRYANT, 2007).
Os avanços ocorridos nas
máquinas têxteis, inicialmente tinham o objetivo de suprir a necessidade de
fios, citada no início do capítulo, para que os tecelões pudessem produzir os
tecidos. Porém, essa necessidade se transformou, como mostra o seguinte quadro:
Tabela 1: A divisão do trabalho
Trabalho
manual
|
Período
|
Trabalho
mecanizado
|
Fiação não supria os tecelões com
fios o bastante
|
Século XVIII
|
A tecelagem era mais veloz do que a
carda e a fiação
|
A tecelagem manual coexistiu
aproximadamente meio século (1750-1800) com a fiação mecânica
|
||
A tecelagem não acompanhava o ritmo
da fiação
|
Século XIX
|
A fiação era mais veloz do que a
tecelagem
|
Fonte:
Elaborado pelos autores.
Segundo
Braudel (1996), a tecelagem manual teve que aumentar substancialmente o seu
efetivo, com salários atrativos, levando os camponeses a se apresentarem com
toda a família para as vagas nas fábricas, causando um grande crescimento
demográfico. Em Manchester, de 1760 a
1830 a população passou de 17.000 para 180.000 habitantes. Entretanto, a
estrutura urbana não acompanhou esse crescimento. Homens, mulheres e crianças
viviam amontoados até em porões, e ainda não eram suficientes para suprir a
demanda. Assim, uma massa de imigrantes, veio se juntar as mulheres e crianças,
pois estes também aceitavam salários menores que os dos homens locais.
As
condições de trabalho nas atividades ligadas ao ramo têxtil
Até 1750, segundo
Hobsbawm (2009), a maior parte das atividades econômicas e manufatureiras da
Grã-Bretanha era rural, na qual o trabalhador era um artesão ou pequeno
proprietário que trabalhava em casa. Aos poucos, essas pessoas foram se
transformando em trabalhadores assalariados e as aldeias em que eles passavam
seu tempo livre tecendo ou fazendo trabalhos de mineração transformaram-se em
vilas industriais de tecelões ou mineiros em tempo integral, sendo que algumas
viraram cidades industriais.
Na obra “A situação da classe trabalhadora na
Inglaterra”, publicada em 1845, o filósofo alemão Friedrich Engels (1820-1895)
relata as condições de vida dos operários da época. Para Engels (2008), os
constantes avanços nas máquinas, levavam a diminuição da necessidade de
operários, ocasionando o desaparecimento de muitas funções e a diminuição dos
salários. Tanto na fiação quanto na tecelagem, o trabalho humano reduziu-se,
principalmente, a reparação dos fios que se rompiam, já que as máquinas faziam
o resto. Como esse trabalho não exigia força física e sim dedos ágeis, ao invés
dos homens, era mais proveitoso contratar mulheres e principalmente crianças, estas
últimas principalmente para tirar e repor bobinas. De qualquer forma, a maioria
dos homens empregados nesse sistema, estava incapacitada para o trabalho aos 40
anos, poucos estavam aptos até os 45 e quase nenhum chegava aos 50.
Eram frequentes os acidentes de trabalho, que
incluíam mutilações e esmagamento de membros. Segundo Engels (2008), muitos
acidentes ocorriam porque os operários queriam limpar as máquinas em movimento.
Isso porque, o horário destinado à limpeza coincidia com o seu horário de
descanso, quando as máquinas estavam paradas.
Outra denúncia do autor revela que para
evitar o deslocamento dos operários, os víveres eram vendidos em armazéns que
pertenciam ao dono da fábrica (tommy shop),
o que elevava os preços das mercadorias em 25% a 30% do seu preço normal. Para
que o trabalhador não buscasse esse produto em outros locais, parte da
remuneração consistia de vales que só podiam ser trocados no estabelecimento do
patrão. A moradia das famílias de operários também era de propriedade dos
patrões (cottage system), que
arbitravam livremente o valor do aluguel. Em caso de desligamento dos operários
ou greve, o despejo acontecia num prazo máximo de oito dias.
A fabricação de rendas, com o uso de bilros era feita
por crianças e jovens, trabalhando em pequenos cômodos mal arejados, sempre
sentados e curvados sobre os bilros. Para manter o corpo nessa posição, as
meninas usavam um corpete de madeira, porém o uso deformava-lhes o externo e as
costelas, atrofiando o tórax. A maior parte delas morria tuberculosa, depois de
sofrer diversos distúrbios digestivos, em função do sedentarismo e da
permanência em uma atmosfera asfixiante. (ENGELS, 2008)
Embora muitos estudiosos afirmem serem
desumanas as condições dos operários da indústria no período abordado aqui,
existem opiniões em sentido contrário. Para o economista, historiador e
professor de Stanford, Robert Hessen (2015), a introdução do sistema fabril
ofereceu sustento para crianças que não viveriam até suas adolescências nas
eras pré-capitalistas. Embora a jornada de trabalho das crianças fosse muito
longa, o trabalho era sempre muito fácil.
Os proprietários das fábricas não forçavam
ninguém a aceitar trabalhar nas suas empresas; só podiam contar com aqueles que
aceitassem os salários oferecidos. Como afirma o professor Ludwig von Mises: “Mesmo
que esses salários fossem baixos, eram ainda assim muito mais do que aqueles
indigentes poderiam ganhar em qualquer outro lugar”. (1995 apud HESSEN, 2015).
No que tange às mulheres, para Hessen
(2015), o sistema fabril ao contrário de miséria e degradação, oferecia
independência econômica. Assim, as mulheres preferiram trabalhar nas fábricas,
em vez de aceitarem pesados serviços agrícolas ou em minas, e até mesmo o
serviço doméstico; além disso, uma mulher com autonomia econômica, não seria
levada ao casamento precoce.
Para Hessen (2015), a vida no campo não
era tão idílica como observado em muitos relatos, pois nesse sistema, os
trabalhadores faziam um investimento inicial custoso, para aquisição de um tear
ou um filatório, e arcavam com a maioria dos riscos especulativos envolvidos[1].
Ao optarem por trabalhar nas fábricas, a sua casa deixara de ser uma fábrica de
miniatura, tornando-se mais confortável, quieta e higiênica.
Novamente é possível encontrar em
Engels (2008), oposição a essas afirmações, pois ele reconhece que as condições
de vida dessas pessoas, especialmente a das crianças eram desfavoráveis fora
das fábricas, mas afirma que essas condições também foram criadas pela elite da
época. Destaca que se não fossem fiscalizada, essa elite iria tratar os
operários de modo ainda mais abusivo. Conforme relatório da Factories Inquiry Commission, de 1833,
os fabricantes às vezes chegavam a empregar crianças de cinco anos, mas frequentemente
as de seis e sete anos, sendo que a maioria tinha entre oito e nove anos. A
jornada de trabalho durava de catorze a dezesseis horas (não inclusas as pausas
para refeição). Era permitido que os vigilantes castigassem fisicamente as
crianças, quando não eram os próprios patrões que o faziam.
As
condições de trabalho de mulheres e crianças
Com
o aperfeiçoamento da fiação, o setor de tecelagem manual teve de aumentar
drasticamente os seus efetivos. Os trabalhadores rurais então abandonavam suas
atividades camponesas e se apresentavam em grupos familiares nas fábricas, que
contratava a família inteira para trabalhar. Isso durou enquanto as equipes de
trabalho pequenas eram possíveis e vantajosas (um adulto ajudado por duas
crianças). No caso da fiação, ao correr do século XIX, com o aperfeiçoamento
das máquinas, seriam necessários até nove ajudantes. Já na tecelagem, ocorreu o
contrário, pois o aperfeiçoamento das máquinas permitia que uma criança fizesse
o trabalho de dois ou três homens, lançando milhares de desempregados á rua. (BRAUDEL, 1996).
Embora os salários fabris tendessem a ser mais altos
que os da ‘indústria doméstica’ (exceto os pagos a trabalhadores manuais
altamente qualificados e versáteis), os trabalhadores relutavam em trabalhar
nelas, pois ao fazê-los as pessoas perdiam aquele direito com que haviam
nascido – a independência. Na verdade, essa era uma das razões por que se
contratavam de preferência mulheres e crianças, mais dóceis: em 1838 apenas 23%
dos trabalhadores das fábricas de tecidos eram homens adultos. (HOBSBAWM, 2009,
p. 64).
Na concepção de Engels (2008),
as mulheres e crianças ocupando os postos de trabalho dos homens causava uma
subversão na ordem familiar. Com a mulher trabalhando doze ou treze horas por
dia e com o homem também ocupado, na fábrica ou em qualquer outro serviço, as
crianças que ainda não podiam trabalhar, cresciam sem cuidados. Eram entregues
à guarda alheia por 1 ou 1,5 shilling
por semana. Era
comum o emprego de narcóticos para manter as crianças sossegadas e essa era a
principal causa dos numerosos casos de morte por convulsão. As mulheres, em sua
maioria, voltavam ao trabalho três ou quatro dias após o parto, deixando o bebê
em casa.
No início da
industrialização, os fabricantes buscavam as crianças nas casas de assistência
a infância pobre, que as alugavam em grupo, na condição de aprendizes. A partir
de 1796, a opinião pública pronunciou-se contra esse sistema. Com a
concorrência dos trabalhadores livres e o aperfeiçoamento das máquinas,
gradualmente foi crescendo a oferta de trabalho para jovens e adultos. Assim, o
número de crianças trabalhando reduziu-se proporcionalmente e a idade mínima
dos trabalhadores raramente era inferior a oito ou nove anos. (ENGELS, 2008).
Os maus tratos às crianças,
segundo Engels (2008) incluíam socos e pontapés, principalmente pela manhã, no
momento de serem retiradas das camas para trabalhar. Muitas dessas crianças e
jovens, entre cinco e quinze anos não frequentava nenhuma escola ou abandonavam
os estudos muito cedo. Consequentemente, metade de todos os delitos era
cometida por pessoas com menos de quinze anos.
Por
outro lado, Hessen (2015), afirma que críticas como essas, colocam todo o
problema social da época na responsabilidade das fábricas. Mas está implícita
na condenação do trabalho da mulher, a noção de que seu lugar era em casa e que
seu único papel era cuidar do lar, do marido e dos filhos. Ou seja, o trabalho
encorajaria o desleixo com os cuidados domésticos, a falta de subordinação
feminina e o desejo por bens supérfluos. A roupa pronta era um exemplo, pois era
então comprada ao invés de feita por elas mesmas, já que o seu preço se tornara
acessível, graças à revolução na produção têxtil.
A
chegada da máquina de costura
O sistema de
confecção de roupas em Londres, até a introdução da máquina de costura (1850)
dividia-se em dois segmentos: o “elegante” e o “vulgar”. O segmento “elegante”
contava com o trabalho de oficiais plenamente qualificados, a maioria de modo
permanente, que trabalhavam nas instalações do patrão e recebiam por peça. No
segmento “vulgar”, alfaiates e costureiras trabalhavam informalmente para
grandes estabelecimentos com escassez de mão de obra e ainda havia a figura do sweater. Este era um intermediário, que
recebia a encomenda e repassava o trabalho para costureiras e alfaiates, a uma
remuneração muito abaixo do previsto para a tarefa, além dos descontos de
alimentação e alojamento. (FORTY, 2007).
Em 1849, segundo Forty (2007), aproximadamente
seis em cada sete trabalhadores do setor de vestuário de Londres estavam
empregados no segmento “vulgar”, como informais ou sweated, fazendo camisas prontas e sobretudos para grandes lojas de
roupas masculinas, além de uniformes e fardas.
Na concepção
de Hobsbawm (2009, p.67),
A industrialização edificou fábricas de móveis e
roupas, mas também fez com que marceneiros hábeis e organizados se
transformassem em trabalhadores sub-remunerados e gerou aqueles exércitos de
costureiras e camiseiras famintas e tuberculosas que comoviam a opinião da
classe média mesmo naquela época extremamente insensível.
Com a comercialização das máquinas de
costura, que aumentavam em muito a produção de quem trabalhava com agulha, era
vantajoso trabalhar numa oficina que as fornecesse, o que levou os
trabalhadores a se tornarem operários em fábricas ao invés de trabalharem em
casa. O padrão e o corte das roupas eram determinados pelos patrões e lojas de
varejo. As costureiras a máquina ganhavam uma fração do que ganhavam as
costureiras à mão, por uma quantidade de trabalho equivalente e, ambas,
trabalhavam por 12 horas ou mais. (FORTY, 2007).
Além
do crescimento populacional aliado à expansão dos centros urbanos, um dos
fatores que contribuíram para a expansão da indústria do vestuário reside no
campo das distinções entre as classes sociais. No século XVIII, o algodão
estampado, por exemplo, era relativamente caro e era comprado por mulheres da
classe média e alta. As mulheres da classe trabalhadora só usavam vestidos de
algodão estampados de segunda mão, pois era mais comum entre a classe operária
o uso de roupas de lã, em vez de algodão. Porém, com a grande expansão da
indústria do algodão no século XIX, as mulheres das classes trabalhadoras
puderam adquirir o produto, de tal modo que em 1818, constituíam quase todo o
mercado interno consumidor do algodão estampado. (FORTY, 2007).
De fato, o
algodão estampado era, segundo Engels (2008), um produto sujeito as flutuações
da moda e por isso o trabalho não possuía um horário de operação regular. Desse
modo, se haviam poucas encomendas, operavam a meio tempo, mas se um de seus
artigos entrava na moda e os negócios iam bem, operavam até as dez horas da
noite, à meia-noite e, às vezes, sem parar.
As
melhorias na qualidade de vida do trabalhador
O sistema utilizado
nas fábricas têxteis não era somente um dos mais produtivos, mas também um dos
mais desumanos e insalubres para os trabalhadores. Os movimentos pelas reformas
trabalhistas em meados de 1800 vieram ao encontro dos anseios dos trabalhadores
da indústria têxtil.
(YAFA, 2005 apud BURNS e BRYANT, 2007).
Nas primeiras décadas do século XIX, surgiram
leis em defesa dos trabalhadores, mas a seu cumprimento ainda não era efetivo.
A proibição do trabalho noturno (das sete e meia da noite às cinco e meia da
manhã) para menores de 21 anos e a jornada máxima de doze horas (nove aos
sábados) são algumas dessas leis. Mas a maior reivindicação era pela jornada
máxima de dez horas aos menores de 18 anos. Em 1833 algumas leis limitaram em
no máximo doze horas o trabalho aos menores de 18 anos. Naturalmente,
inspetores do trabalho ainda flagraram indústrias nas quais as crianças
trabalhavam por quatorze ou dezesseis horas. (ENGELS, 2008).
Poucos patrões, segundo Henderson (1969),
tratavam seus operários de modo humano e civilizado. Estes poucos conscientes,
reduziam as horas excessivas, pagavam um pouco mais que a média, e ofereciam
aos seus operários cantinas, salas de leitura, casas decentes e serviços de
saúde. Um exemplo é Robert Owen que nos primeiros anos do século XIX,
transformou suas fábricas de algodão em um modelo. Introduziu a jornada de
trabalho de dez horas, não empregava crianças muito novas e concedeu várias
regalias aos operários e suas famílias. Outro exemplo é Titus Salt, fabricante
de lã, que construiu uma cidade modelo para seus 3 000 funcionários, com toda a
infraestrutura necessária. As casas eram bem construídas e havia hospital,
escola, igrejas, entre outros serviços.
Na primeira metade do século XIX começaram
algumas reformas legislativas que favoreciam os operários. Em 1831, uma lei
determinou o pagamento de todos os salários em dinheiro, ao invés de vales; em
1833, houve a proibição do emprego de crianças menores de nove anos, limitando
a jornada daqueles entre nove e dezoito anos e proibindo o seu trabalho
noturno. Com o registro obrigatório dos nascimentos em 1837, foi possível
fiscalizar as idades das crianças. Finalmente em 1847, a Lei das Dez Horas
limitou o trabalho semanal das mulheres e menores de dezoito anos a 58 horas, com
no máximo dez horas diárias. (HENDERSON, 1969).
Uma importante melhoria para os trabalhadores
influenciou na qualidade de vida de toda a sociedade – a reforma sanitária
ocorrida a partir de 1850. Quando se percebeu os riscos de contágio de doenças
como cólera e tifo, foram tomadas medidas para a limpeza das cidades. Também
ocorreram avanços nos conhecimentos médicos, expansão dos serviços
hospitalares, estabelecimentos de lavabos e banhos públicos. Soma-se a isso a
iluminação das cidades à noite e a criação das forças policiais. (HOBSBAWM,
2009; HENDERSON, 1969).
O
trabalho nas atividades ligadas à indústria da moda hoje
No
século XX, com o estabelecimento de normas de segurança e leis trabalhistas,
muitas foram as melhorias nas atividades ligadas a indústria têxtil.
Entretanto, ainda no início do século uma tragédia envolveu trabalhadoras de
uma fábrica em Nova York. Em 25 de março de 1911, a Triangle Shirtwaist Company incendiou, matando 145 trabalhadores, a
maioria meninas imigrantes. A tentativa de deixar o prédio falhou porque as
portas que davam para as escadas estavam trancadas por fora para evitar o roubo
de material. (HISTORY.COM STAFF, 2009; BURNS e BRYANT, 2007).
Os gastos relacionados com o trabalho,
segundo Burns
e Bryant (2007), são fundamentais na tomada de decisão de uma empresa. Assim,
questões como quantidade de trabalhadores, fabricação nacional ou estrangeira e
qual é o investimento necessário para a produção são discutidas a fim de
definir a estratégia de produção de cada empresa. Isso porque a fase de criação
e desenvolvimento do produto de moda exige tecnologia e pessoal altamente
qualificado. Diante disso empresas americanas e europeias investem fortemente
na fase de desenvolvimento de produto e publicidade da marca, deixando a fase
de produção a cargo de empresas terceirizadas, em países cujos custos totais
são muito inferiores aos praticados no país de origem da marca. De acordo com
Sheng Lu (2015) o valor mais alto da hora de trabalho na indústria têxtil pode
chegar a $ 51.36 na Suíça e o mais baixo
pode ser de $ 0.62 em
Bangladesh e no Paquistão[2].
Conforme Kunz e Garner (2010), enquanto países desenvolvidos têm trabalhado para um
comércio mais livre nos últimos cinquenta anos, o mesmo não ocorre quando se
trata de imigrantes. No caso do vestuário, na Califórnia e na Flórida, é comum
o emprego de mão de obra de imigrantes legais e ilegais. Dos que chegam a
diversos países da Europa, muitos são transportados em navios de carga,
escondidos entre os contâiners, ou transportados em pequenas embarcações, em
número superior ao que o veículo suporta normalmente, levando a perda de vidas
pelo caminho. Essas pessoas saem de seus países em função de guerras e outras
demandas políticas e econômicas e ao chegar em países da Europa ou nos Estados
Unidos se deixam explorar de muitas maneiras, suportando desde trabalho escravo
até exploração sexual, uma vez que existe o risco de serem deportados. A exploração do ser
humano é possível porque existem segmentos da população que são vulneráveis e,
por outro lado, existem pessoas especializadas em tirar vantagem disso. Fatores
que contribuem para essa vulnerabilidade incluem pobreza, gênero, idade e/ou
origem étnica.
A
Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo a Human Rights Watch
(2016), estima que 168 milhões de crianças estejam envolvidas em trabalho
infantil globalmente, e destas, 85 milhões em trabalhos perigosos que põe em
risco a sua saúde ou segurança. O trabalho infantil em cadeias globais de
suprimentos foi o tema do Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, em 12 de
junho de 2016, em Genebra. Atualmente, por exemplo, existem crianças
trabalhando em minas de ouro nas Filipinas e na Tanzânia, tecelagem de tapetes
no Afeganistão, em campos de tabaco nos Estados Unidos e em assentamentos
agrícolas na Cisjordânia.
Sweatshops
·
Um empregador que viola duas ou mais leis trabalhistas
federais, relativas à segurança e saúde ocupacionais, remuneração do
trabalhador, ou outras leis regulamentadoras.
·
Trabalho no qual a remuneração está abaixo do piso da
categoria; jornada de trabalho excessivamente longa sem pagamento de hora extra;
ambiente de trabalho insalubre; trabalhadores que sofrem constantemente assédio
moral ou sexual; trabalhadores não habilitados a se reunirem para negociar
melhores termos de trabalho.
·
Locais que geralmente empregam de 20 a 50 trabalhadores,
muitos deles imigrantes ilegais, dispostos a suportar longas jornadas de
trabalho, baixa remuneração e condições de trabalho miseráveis, somente para
ter um emprego. Os proprietários pagam em dinheiro, mas frequentemente se negam
a pagar o piso salarial da função, as horas extras, os feriados e outros
benefícios.
Em função da natureza
altamente descentralizada da indústria têxtil, é difícil estimar o número de sweatshops nos Estados Unidos e ao redor
do mundo. Com as constantes levas de imigrantes que desembarcam em diversos
países do mundo, a mão de obra desse tipo de negócio é constante. (BURNS e
BRYANT, 2007).
Em Bangladesh, de acordo com Hunter
(2015), milhares de crianças trabalham em fábricas ilegais que não são
inspecionadas, em longas jornadas de trabalho. As fábricas fazem roupas para o
mercado local e indiano, mas também fornecem para marcas internacionais famosas
e estabelecidas através de subcontratos, o que torna difícil para as empresas
saber exatamente de onde todas as suas roupas estão vindo.
As
crianças, que não frequentam a escola, são incumbidas das mais diversas
tarefas, do bordado de lantejoulas ao tingimento de tecidos, e até limpeza. Os trabalhadores
do vestuário trabalham seis dias por semana, desde o amanhecer até o anoitecer
e seus proventos estão bem abaixo de um salário mínimo. Quando acaba a jornada,
dormem dentro da própria fábrica ou em quartos alugados próximos ao local de
trabalho. De acordo com a UNICEF, há aproximadamente um milhão de crianças de
10 a 14 anos trabalhando como operários em Bangladesh, mas o número é muito
maior quando a faixa de idade é expandida.
De
acordo com Burns e Bryant (2007) a indústria do
vestuário é a fonte mais rentável da economia de Bangladesh porque movimenta 25
bilhões de dólares em exportações anualmente e emprega 04 milhões de
trabalhadores, principalmente mulheres. Depois da China, Bangladesh é o
segundo maior exportador de vestuário do mundo. O país tem tido destaque desde
o colapso do Edifício Rana Plaza em
um subúrbio da capital Daca, em 2013, no qual mais de 1.100 pessoas morreram, a
maioria costureiras.
Por sua vez, o
governo de Bangladesh, representado por Syed Ahmed, inspetor geral das
fábricas, afirma que atualmente 81% das fábricas aderiram às normas referentes à
segurança estrutural e prevenção contra incêndios. Do restante, enquanto umas
foram fechadas, outras receberam notificação e prazo para regularização.
(HUNTER, 2015).
Aplicações
da ergonomia no trabalho
Segundo Guérin et al. (2001) todo e qualquer trabalhador
deve ter a sua integridade física assegurada durante o desempenho das suas
funções, pois toda atividade, seja ela braçal ou intelectual, tem algum impacto
sobre a saúde do indivíduo.
De acordo com Dul e Weerdmeester (2004),
durante as atividades decorrentes do trabalho, é preciso respeitar a
biomecânica do corpo humano. As articulações não devem ser forçadas, o corpo não
deve ser curvado demais e recomenda-se alternar as posturas e movimentos. O
conforto físico do trabalhador durante a atividade é resultado de uma série de
requisitos que devem ser contemplados.
Durante a interação do ser humano com
máquinas e equipamentos, é importante considerar o estado de conservação
destes. Segundo Dul e Weerdmeester (2004) máquinas antigas podem produzir mais
ruído e vibrações com o tempo de uso e desgaste das peças, causando desconforto
ao trabalhador. Também há a influência das condições do local onde a tarefa é
realizada. A iluminação do ambiente e do posto de trabalho deve ser regulada
conforme a função desempenhada. Porém, a exposição contínua a níveis altos de
luminosidade também pode provocar fadiga visual. O conforto climático, por sua
vez, depende basicamente de quatro fatores: temperatura do ar, calor radiante,
velocidade do ar e umidade relativa. O tipo de atividade física e o vestuário
também influenciam o conforto térmico.
O espaço no qual se desenvolve a atividade e
as dimensões das máquinas e equipamentos devem estar de acordo com o
trabalhador. Conforme Iida (2005), embora homens e mulheres não sejam
intelectualmente diferentes, se diferem em suas funções fisiológicas,
capacidade cardiovascular, forças musculares e dimensões antropométricas. Nesse
último item, ressalta-se o fato de que as máquinas e postos de trabalho são
projetados para os homens, mesmo nos casos em que há predominância de mão de
obra feminina. Diante da falta de adaptação desses equipamentos, o trabalho
torna-se mais difícil e fatigante para as mulheres.
Durante muitas atividades industriais é comum
que o trabalhador seja exposto a agentes químicos. Segundo Dul e Weerdmeester
(2004) a exposição a substâncias químicas deve ser evitada, pois muitas são
cancerígenas e podem causar má formação congênita. O contato pode ser por meio
de ingestão, inalação ou através da pele e dos olhos. Diante disso, existem
normas regulamentadoras internacionais que definem limites de tolerância para a
exposição a esses produtos. De acordo com Iida (2005), apenas uma pequena
parcela dos agentes químicos utilizados pela indústria foi estudada quanto aos
prejuízos à saúde. Aqueles que são absorvidos por meio da inalação são os mais
frequentemente utilizados em ambientes de trabalho e são conhecidos como
aerodispersoides. São classificados em: poeiras, fumos, gases, vapores e
neblinas.
Outro fator que influencia a qualidade de
vida do trabalhador é o turno e a duração da jornada de trabalho. O trabalho
noturno para Grandjean (1998) engloba a atividade desempenhada por um
funcionário que cumpre o seu turno de trabalho durante o período da noite ou que
inicia a sua jornada de trabalho na primeira hora da manhã e ao adentrar da
noite permanece ainda em atividade no seu posto de trabalho. Entretanto a
maioria das análises se concentra nos trabalhadores em turnos. As consequências
do trabalho noturno são fisiológicas, porque o organismo tende a uma
desaceleração à noite, e sociais, porque a atividade leva ao isolamento em
relação á família. As consequências fisiológicas podem ser explicadas por meio
das oscilações no ritmo circadiano, que pode ser descrito como uma espécie de
relógio interno que define o horário das atividades do ser humano durante um
período de 22 a 25 horas aproximadamente, variando entre os indivíduos. As
funções que estão relacionadas ao ritmo circadiano são o sono, a capacidade de
produção, o metabolismo, a temperatura corpórea, a frequência cardíaca e a
pressão sanguínea.
No que concerne ao trabalhador cuja jornada
inicia pela manhã e segue durante a noite, pode-se observar as análises de
Grandjean (1998) em relação à fadiga. Esta pode ser dividida em dois tipos
principais: a fadiga muscular e a fadiga generalizada. A primeira ocorre quando
determinado grupo muscular é mais exigido que os demais por um período
determinado de tempo, causando o seu enfraquecimento. A segunda ocorre quando o
corpo todo enfraquece em função de uma grande exigência visual, mental,
psicomotora, circadiana e física, além da fadiga gerada pela monotonia do
trabalho e do ambiente.
Todos os fatores apresentados, em conjunto ou
isoladamente, propiciam um campo fértil para os acidentes de trabalho. Diversas
condições resultam em acidentes, uma vez que a interação entre homem e máquina
é permeada por uma série de atributos de ambas as partes. Por parte do
maquinário deve-se observar o estado de conservação das máquinas, a segurança
dos equipamentos e o ambiente de trabalho. Por parte do trabalhador existe a
influência da idade, da experiência, da fadiga, do sono, da alimentação, além
dos fatores psicológicos e sociais.
Para Iida (2005) em atividades industriais,
jornadas muito longas causam redução de desempenho. O ideal é que a duração
máxima do dia de trabalho se mantenha entre 8 e 8,5 horas para se manter uma
boa produtividade, pois se estendida por 9 horas ou mais, a produtividade não
aumentará.
Discussão
A sazonalidade inerente à indústria da moda, bem como
a influência da mídia em uma sociedade cujos valores são pautados no consumo,
colaboram para a manutenção de um sistema produtivo acelerado. É o caso do fast fashion, um padrão de produção que
lança pequenas coleções de roupas que devem ser vendidas rapidamente e
substituídas por outras, a um baixo custo para o consumidor e sem grandes
pretensões em temos de qualidade e durabilidade do produto. Esse sistema é
empregado por grandes varejistas, como Zara, H & M, GAP etc., e no Brasil
por lojas como Renner, C & A, Marisa e diversas outras. De acordo com Burns
e Bryant (2007) para que este modelo de negócios funcione é preciso que haja
agilidade no fornecimento e produção, com baixo custo e tempo reduzido.
Na opinião de Boriello (2016), o ritmo
acelerado do fast fashion, em função
da variedade e da rapidez com que esse sistema entrega novas coleções a preços
acessíveis à grande massa, está diretamente ligado às condições de trabalho.
Isso porque, essa demanda é atendida por países com baixíssimo custo de mão de
obra, em regime de exaustão do trabalhador, que passa extensas horas nas
máquinas e com baixa remuneração. As condições dos locais também são precárias
e o maquinário é frágil e desgastado.
Um processo semelhante ocorreu no século
XVIII, quando a demanda por têxteis cresceu e os teares passaram por melhorias
que aumentaram a atividade da tecelagem, exigindo a contratação de um grande
número de trabalhadores. Porém as condições de trabalho exigiam um ritmo de
trabalho demasiadamente acelerado, o que causava acidentes de trabalho e
jornadas exaustivas para homens, mulheres e crianças. Em função da grande demanda, a força de trabalho foi
reforçada com a vinda de imigrantes que, assim como as mulheres e crianças,
também aceitavam salários menores.
Atualmente, imigrantes que deixam os seus países por motivos de guerras e
questões políticas, costumam encontrar vagas em sweatshops, especialmente no ramo da confecção de vestuário. As peças
confeccionadas, muitas vezes recebem etiquetas de grandes marcas de moda do
mundo todo, inclusive de Paris. Embora essa prática proporcione uma
considerável economia em custos fixos (mão de obra) para as empresas que
recorrem a esses prestadores de serviço “alternativos”, as perdas sociais são
difíceis de mensurar. Cabe o questionamento em relação a transferência do
trabalho para um terceirizado e se assim também há a transferência da
responsabilidade social, ambiental e trabalhista para o empregador direto.
O emprego de mão de obra infantil
ainda é uma prática recorrente em muitas empresas ligadas à moda. Destas
crianças, a maioria não estuda e habita em condições precárias, pois ao final
da jornada, parte desses trabalhadores dorme dentro da própria fábrica,
enquanto outros moram próximo ao trabalho em quartos alugados em prédios em
condições semelhantes à das fábricas. O que remete ao sistema da tommy shop (comércio de víveres) e do cottage system (casas de aluguel), ambos
do empregador.
Ao empregar crianças em funções de adultos,
além de violar o direito da criança a sua formação escolar, o empregador ainda
impõe riscos à saúde de um ser humano cuja estrutura física ainda não está
completamente formada. Deformações na coluna vertebral, alterações de
crescimento, problemas de visão, são alguns dos prejuízos causados por
atividades exercidas dentro das sweatshops,
podendo chegar a amputações e eletrocussões.
No que concerne ao
trabalho feminino, predominante no ramo têxtil, diversos são os aspectos a se
considerar. Para Souza-Lobo (1991), o primeiro
obstáculo a ser superado pelas operárias é a dupla jornada, pois além da baixa
remuneração no trabalho a mulher desempenha funções domésticas não remuneradas.
Segundo a autora, existe uma ideologia sobre o lugar da mulher na família e sua
vocação “natural” para a maternidade.
A partir do século XVIII, quando as
mulheres começaram a deixar o lar em tempo integral, para dedicarem a maior
parte do seu tempo ao trabalho na fábrica, houve uma ruptura no sistema
familiar tradicional. Para Engels (2008) essa necessidade da mulher de ajudar a
compor a renda familiar, foi a causadora de uma subversão na ordem dentro da
família, ou seja, se o marido recebesse uma remuneração digna e justa, teria
condições de prover sozinho o sustento do lar e de toda a sua família. Dessa
forma, a princípio, continuaria sendo responsabilidade exclusiva da mulher o
cuidado do lar e das crianças.
A independência da mulher ao longo dos
séculos vem sendo conquistada aos poucos e em função de uma série de mudanças
que vem ocorrendo na sociedade como um todo. Naquele momento histórico, porém,
parece não ter sido uma escolha das mulheres o trabalho nas fábricas, mas a
única alternativa frente à fome e a miséria. Para Hessen (2015) essa conjunção
econômica e social favoreceu a emancipação feminina, promoveu a adiamento dos
casamentos precoces e da dependência financeira da mulher em relação ao marido
e, assim sendo, não teria sido necessariamente prejudicial.
Outro
fator importante que pode ser relacionado ao trabalho feminino, especialmente
no setor de confecção do vestuário, seria a qualificação para o trabalho. Para
Souza-Lobo (1991, p. 259), “...as qualificações femininas – os talentos das
mulheres – não configuram qualificações formais e não encontram correspondência
em termos de carreira ou de salário”. As habilidades para o trabalho industrial
são consideradas inatas, tais como destreza, rapidez, concentração, disciplina
etc., porque dispensam cursos e diplomas.
Todas essas demandas advindas da relação entre patrões e empregados de uma
certa forma contribuem para o aperfeiçoamento das máquinas, como já vem
acontecendo ao longo da história. Atualmente já existem diversos
movimentos por parte da indústria global no sentido de robotizar a produção,
substituindo o homem pela máquina sempre que possível, nas funções
operacionais. Nos Estados Unidos, cuja manufatura era quase totalmente feita no
exterior, o Fundo Walmart está
financiando pesquisas para o desenvolvimento de um sistema completo de
robotização da costura. Na Alemanha, a Adidas está instalando na cidade de Ansbach a sua primeira fábrica
totalmente automatizada e robotizada, a Speed
Factory. Inclusive o governo da China vai investir bilhões para que grande
parte de suas fábricas estejam robotizadas até 2020, incluindo o setor têxtil e
de confecção. (BORIELLO, 2016).
Considerações
finais
Ao analisar as condições de trabalho no ramo
têxtil no início da industrialização, pode-se perceber a falta de condições adequadas
de trabalho. Embora hoje existam fábricas modelo no setor que cumprem todas as
exigências sanitárias e de segurança do trabalho, ainda há empresas que mantém
condições indignas de trabalho, nos moldes pré-industriais, especialmente na
confecção de vestuário.
Desde o
início da industrialização existiram divergências entre patrões e empregados,
independentemente do ramo de atividade, sexo ou nacionalidade. No setor têxtil,
particularmente, por diversos fatores, a mão de obra era composta em sua
maioria de mulheres e crianças.
Atualmente,
empresas ligadas à indústria da moda ainda operam nos moldes pré-industriais no
que concerne às condições de trabalho. Nesses locais há trabalho infantil e até
escravo, não são tomadas medidas para a segurança dos funcionários e do
ambiente de trabalho e a remuneração é abaixo do praticado no setor.
A ergonomia, por ser uma ciência
que estuda a relação do ser humano com o seu trabalho por meio do conhecimento
das suas capacidades e limitações, vem ao longo das décadas melhorando essa
relação. Através da aplicação dessa ciência aos processos, ambientes, máquinas
e sistemas, o trabalho torna-se uma atividade que além de sustento proporciona
satisfação ao trabalhador. Isso porque toda atividade humana causa algum
desgaste, porém se a atividade estiver adequada ao trabalhador essa interação
será proveitosa. Dessa forma, o trabalho será mais ágil e eficiente, pois o
funcionário sente o mínimo desconforto possível e pode manter o nível de
produtividade durante toda a jornada e ao longo dos anos.
REFERÊNCIAS
BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia
e capitalismo: séculos XV-XVII. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
BORIELLO,
Silvia. Quarta Revolução Industrial na Confecção. Costura perfeita. São Paulo, nº 92, bim. 2016.
BURNS, Leslie
D.; BRYANT, Nancy O. The business of fashion: designing,
manufacturing, and marketing . 3rd.
ed. New York: Fairchild Publications, 2007.
DUL, Jan; WEERDMEESTER, Bernard. Ergonomia prática.
2. ed. São Paulo: E. Blucher, 2004.
ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na
Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2008.
FORTY, Adrian. Objetos de desejo: design e sociedade desde
1750. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
GUÉRIN, F. et al. Compreender o trabalho para
transformá-lo: a
prática da ergonomia. São Paulo: E. Blucher, 2001.
GRANDJEAN, Etienne. Manual de ergonomia: adaptando o trabalho ao homem. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1998.
HENDERSON, William O. A revolução industrial
1780-1914. Lisboa: Verbo, 1969.
HISTORY.COM STAFF. Triangle
Shirtwaist Factory Fire. 2009.
Disponível em: <http://www.history.com/topics/triangle-shirtwaist-fire> Acesso em: 07
ago. 2016.
HOBSBAWM, Eric J. Da Revolução Industrial inglesa ao imperialismo. 5ª Ed., Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2009.
HUMAN RIGHTS WATCH. Global
Profits, and Peril, from Child Labor. Nova York, 2016. Disponível em: < https://www.hrw.org/news/2016/06/06/global-profits-and-peril-child-labor> Acesso em: 16
ago. 2016.
HUNTER, Isabel. Crammed into
squalid factories to produce clothes for the West on just 20p a day, the
children forced to work in horrific unregulated workshops of Bangladesh. 2015. Disponível em: <http://www.dailymail.co.uk/news/article-3339578/Crammed-squalid-factories-produce-clothes-West-just-20p-day-children-forced-work-horrific-unregulated-workshops-Bangladesh.html> Acesso em: 07
ago. 2016.
IIDA,
Itiro. Ergonomia: projeto e produção. 2. ed. rev. e ampl. São
Paulo: E. Blucher, 2005.
KUNZ, Grace I; GARNER, Myrna B. Going global: the
textiles and apparel industry. New York: Fairchild Publications, 2010.
PEZZOLO, Dinah B. Tecidos: história, tramas, tipos e usos. São Paulo: Editora Senac
São Paulo, 2007.
SHENG LU. World Textile Industry Labor Cost Comparison. FASH455
Global Apparel & Textile Trade and Sourcing, 2015. Disponível em: <https://shenglufashion.wordpress.com/2015/01/25/2014-world-textile-industry-labor-cost-comparison/> Acesso em: 08
ago. 2016.
SOUZA-LOBO,
Elisabeth. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e
resistência. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura: Brasiliense, 1991.
[1] Como explica Hobsbawm (2009) a maioria das
atividades, incluindo a produção de vestuário, continuava a empregar métodos
inteiramente tradicionais, sendo limitada a utilização de novos materiais. Em
face da enorme expansão da procura, os industriais complementavam sua produção
fabril com a utilização de algo semelhante ao sistema domiciliar. Pode-se
perceber que, a fim de complementar a produção das fábricas, os empresários da
época recorriam a uma espécie de terceirização da produção, que era feita nas
casas dos camponeses, em oficinas domésticas.
[2]
Os dados abrangem os setores
primários da indústria têxtil (fiação, tecelagem, tingimento e acabamento).
Corte e operações de costura não fazem parte dessas comparações, porém outras
fontes consultadas indicam números semelhantes aos dados apresentados.
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