Uma análise crítica das condições de trabalho na indústria têxtil desde a industrialização do setor até os dias atuais

Artigo originalmente publicado na Human Factors in Design - HFD Revista, v.5, n.10, p.73-90, ago/dez 2016
Versão integral em: http://www.revistas.udesc.br/index.php/hfd/article/view/8832/6198

Tatiana C. Longhi1
Flávio A. N. V. dos Santos2

RESUMO
As atividades ligadas à indústria têxtil foram parte do processo que levou à Revolução industrial na Inglaterra e no mundo. Porém, as condições de trabalho dos operários (a maioria mulheres e crianças) eram penosas, e a segurança no trabalho não era uma preocupação dos empregadores. Atualmente, através da Ergonomia, que adapta o trabalho ao homem, há uma série de normas para garantir a integridade do trabalhador. Entretanto, ainda hoje existem empresas que utilizam mão de obra infantil, jornadas exaustivas, pagamentos irrisórios e ambientes insalubres. Esse artigo apresenta uma visão crítica acerca das condições de trabalho especialmente na confecção do vestuário na atualidade. 

INTRODUÇÃO
         O trabalho é uma forma de atividade humana, resultante de um conjunto de esforços (físico, intelectual, social, psicológico, motor, cognitivo etc) provenientes do ser humano. Nas palavras de Guérin et al. (2001, p. 16), “Sem atividade humana não há trabalho, mas pode haver uma produção”.
A indústria têxtil, desde os primórdios da Revolução Industrial em meados do século XVIII, se desenvolveu baseada em dois pilares fundamentais – a gradativa evolução das máquinas e a mão de obra abundante e barata disponível. Essa disponibilidade de pessoas existia em função das condições sociais e políticas da época, uma vez que além de famílias inteiras que se ofereciam para trabalhar ainda havia uma massa de imigrantes em busca de qualquer trabalho. Assim, a mão de obra disponível dividia-se basicamente em duas categorias – famílias que viviam no campo e imigrantes, principalmente irlandeses. As famílias inglesas eram compostas pelo pai, pela mãe e pelas crianças e todos, a partir dos cinco anos de idade, já buscavam algum tipo de trabalho nas décadas iniciais da industrialização.
Nesse período, a produção era pautada pelo desempenho e limitações das máquinas e não das pessoas. Dessa forma, conforme os engenheiros e mecânicos proviam uma máquina com alguma melhoria técnica, essa mudança também modificava o modus operandi das fábricas e oficinas. Para algumas máquinas era preciso um operário principal e vários ajudantes; para outras, somente dois operadores. Toda a oportunidade de substituir o trabalho dos homens ingleses pelo de mulheres, crianças e imigrantes era imediatamente aproveitada a fim de limitar os gastos com pessoal.
Durante esse período ainda não havia noções de sanitarismo e segurança no trabalho, pois segundo Dul e Weerdmeester (2004), a ergonomia só se desenvolveria como uma ciência durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Nesse período, todos os esforços foram feitos no sentido de reunir tecnologia, ciências humanas e biológicas na solução de problemas de projeto, nesse caso na operação de equipamentos militares complexos. O trabalho conjunto de médicos, psicólogos, antropólogos e engenheiros foi tão frutífero que determinou o desenvolvimento da Ergonomia como ciência, que seria utilizada pela indústria em geral.
A ergonomia é a ciência que busca adaptar o trabalho ao homem, considerando as suas habilidades e limitações. No entanto, conforme Guérin et al. (2001), existem muitas situações em que devido a aspectos financeiros, técnicos ou organizacionais não existe uma reflexão sobre o lugar do ser humano no sistema de produção. Sem considerar as limitações humanas em função do próprio ambiente de trabalho, quando ocorrem incidentes, frequentemente culpam-se os próprios trabalhadores de descuido ou inépcia. 

O principal produto impulsionador da evolução no maquinário fabril: o algodão

            Diversos fatores influenciaram a Revolução Industrial ocorrida no século XVIII, tais como a demanda e a disponibilidade da matéria prima, que no caso do ramo têxtil era o algodão.
No século XVII, segundo Pezzolo (2007), navios europeus traziam carregamentos de algodão estampado da Índia, comprados a peso de ouro pela nobreza e pela burguesia. A demanda crescente por esses tecidos, leves, brilhantes e com estampas exóticas, impulsionou a criação de manufaturas na Europa, que passaram a concorrer com a mercadoria indiana. Mas as primeiras tentativas de imitação foram medíocres, pois os artesãos indianos, além de extremamente habilidosos, possuíam conhecimentos técnicos tradicionais que permitiam uma maior fixação da cor. Assim, de acordo com Hobsbawm (2009) ainda no final do século XVII, os fabricantes de têxteis obtiveram a proibição da importação de tecidos de algodão estrangeiros, o que possibilitou o fortalecimento do mercado interno, até que este ficasse forte o bastante para exigir a sua entrada no mercado de outros países.
Em 1750 Londres tinha em torno de 750.000 habitantes, o que a tornava a maior cidade da Cristandade, aproximadamente duas vezes maior que Paris, conforme Hobsbawm (2009). Nessa época havia uma crescente produção algodoeira alicerçada pelo trabalho escravo. Em 1753, segundo Pezzolo (2007), Londres recebeu o primeiro carregamento de algodão vindo dos Estados Unidos. Porém, foi somente em 1794 que os preços baixaram, com a invenção da máquina de descaroçar, pelo americano Eli Witney, que separava os grãos das fibras, trabalho que era feito à mão até então.
Em 1801, a indústria do vestuário na Europa consumia 78% de lã, 18% de linho e 4% de algodão. Um século depois, as proporções eram de 20% de lã, 6% de linho e 74% de algodão. (PEZZOLO, 2007). De fato, segundo Yafa (2005 apud Burns e Bryant, 2007) em fins de 1890, 3/4 das roupas na Europa e nos Estados Unidos eram feitas de algodão.

O aprimoramento das máquinas

Como dito anteriormente e conforme Hobsbawm (2009), um dos fatores que provocaram a industrialização está relacionado à matéria-prima do vestuário, principalmente o algodão. Isso porque, o problema técnico que levou a mecanização na fabricação do tecido de algodão foi o desequilíbrio entre a eficiência da fiação e a eficiência da tecelagem. A roca de fiar era um mecanismo menos produtivo que o tear e já não supria os tecelões com fios em quantidade suficiente.
De acordo com Henderson (1969), essas foram invenções fundamentais que alteraram a produção:
·         Em 1733, John Kay inventou a lançadeira impulsionada, que duplicava o rendimento do tecelão de tear manual. Construiu também uma máquina para cardas desenredarem as fibras antes da fiação.
·         Em 1759, um dos filhos de Kay inventou o caixão de lançadeiras múltiplas, no qual uma peça de pano podia ser tecida em três cores, quase tão depressa quanto uma branca.
·         Em 1760, James Hargreaves inventou o jenny (fiandeira múltipla manual), que permitia ao fiandeiro trabalhar com oito fusos em vez de um – também chamada de Spinning Jenny.
·         Em 1769, Richard Arkwright inventou uma máquina de cardar com motor hidráulico.
·         Em 1779, Samuel Crompton inventou uma máquina movida a água, chamada de mula, por combinar característica de duas outras, conhecida como Spinning Mule.  (BRAUDEL, 1996).
·         Em 1784, o reverendo Edmund Cartwright construiu um tear mecânico
 (power loom), ainda bastante rudimentar. (BURNS e BRYANT, 2007).
Os avanços ocorridos nas máquinas têxteis, inicialmente tinham o objetivo de suprir a necessidade de fios, citada no início do capítulo, para que os tecelões pudessem produzir os tecidos. Porém, essa necessidade se transformou, como mostra o seguinte quadro:

Tabela 1: A divisão do trabalho
Trabalho manual
Período
Trabalho mecanizado
Fiação não supria os tecelões com fios o bastante
Século XVIII
A tecelagem era mais veloz do que a carda e a fiação
A tecelagem manual coexistiu aproximadamente meio século (1750-1800) com a fiação mecânica
A tecelagem não acompanhava o ritmo da fiação
Século XIX
A fiação era mais veloz do que a tecelagem

Fonte: Elaborado pelos autores.
Segundo Braudel (1996), a tecelagem manual teve que aumentar substancialmente o seu efetivo, com salários atrativos, levando os camponeses a se apresentarem com toda a família para as vagas nas fábricas, causando um grande crescimento demográfico.  Em Manchester, de 1760 a 1830 a população passou de 17.000 para 180.000 habitantes. Entretanto, a estrutura urbana não acompanhou esse crescimento. Homens, mulheres e crianças viviam amontoados até em porões, e ainda não eram suficientes para suprir a demanda. Assim, uma massa de imigrantes, veio se juntar as mulheres e crianças, pois estes também aceitavam salários menores que os dos homens locais.

As condições de trabalho nas atividades ligadas ao ramo têxtil

Até 1750, segundo Hobsbawm (2009), a maior parte das atividades econômicas e manufatureiras da Grã-Bretanha era rural, na qual o trabalhador era um artesão ou pequeno proprietário que trabalhava em casa. Aos poucos, essas pessoas foram se transformando em trabalhadores assalariados e as aldeias em que eles passavam seu tempo livre tecendo ou fazendo trabalhos de mineração transformaram-se em vilas industriais de tecelões ou mineiros em tempo integral, sendo que algumas viraram cidades industriais.
Na obra “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, publicada em 1845, o filósofo alemão Friedrich Engels (1820-1895) relata as condições de vida dos operários da época. Para Engels (2008), os constantes avanços nas máquinas, levavam a diminuição da necessidade de operários, ocasionando o desaparecimento de muitas funções e a diminuição dos salários. Tanto na fiação quanto na tecelagem, o trabalho humano reduziu-se, principalmente, a reparação dos fios que se rompiam, já que as máquinas faziam o resto. Como esse trabalho não exigia força física e sim dedos ágeis, ao invés dos homens, era mais proveitoso contratar mulheres e principalmente crianças, estas últimas principalmente para tirar e repor bobinas. De qualquer forma, a maioria dos homens empregados nesse sistema, estava incapacitada para o trabalho aos 40 anos, poucos estavam aptos até os 45 e quase nenhum chegava aos 50.
Eram frequentes os acidentes de trabalho, que incluíam mutilações e esmagamento de membros. Segundo Engels (2008), muitos acidentes ocorriam porque os operários queriam limpar as máquinas em movimento. Isso porque, o horário destinado à limpeza coincidia com o seu horário de descanso, quando as máquinas estavam paradas.
Outra denúncia do autor revela que para evitar o deslocamento dos operários, os víveres eram vendidos em armazéns que pertenciam ao dono da fábrica (tommy shop), o que elevava os preços das mercadorias em 25% a 30% do seu preço normal. Para que o trabalhador não buscasse esse produto em outros locais, parte da remuneração consistia de vales que só podiam ser trocados no estabelecimento do patrão. A moradia das famílias de operários também era de propriedade dos patrões (cottage system), que arbitravam livremente o valor do aluguel. Em caso de desligamento dos operários ou greve, o despejo acontecia num prazo máximo de oito dias.
A fabricação de rendas, com o uso de bilros era feita por crianças e jovens, trabalhando em pequenos cômodos mal arejados, sempre sentados e curvados sobre os bilros. Para manter o corpo nessa posição, as meninas usavam um corpete de madeira, porém o uso deformava-lhes o externo e as costelas, atrofiando o tórax. A maior parte delas morria tuberculosa, depois de sofrer diversos distúrbios digestivos, em função do sedentarismo e da permanência em uma atmosfera asfixiante. (ENGELS, 2008)
Embora muitos estudiosos afirmem serem desumanas as condições dos operários da indústria no período abordado aqui, existem opiniões em sentido contrário. Para o economista, historiador e professor de Stanford, Robert Hessen (2015), a introdução do sistema fabril ofereceu sustento para crianças que não viveriam até suas adolescências nas eras pré-capitalistas. Embora a jornada de trabalho das crianças fosse muito longa, o trabalho era sempre muito fácil.
Os proprietários das fábricas não forçavam ninguém a aceitar trabalhar nas suas empresas; só podiam contar com aqueles que aceitassem os salários oferecidos. Como afirma o professor Ludwig von Mises: “Mesmo que esses salários fossem baixos, eram ainda assim muito mais do que aqueles indigentes poderiam ganhar em qualquer outro lugar”. (1995 apud HESSEN, 2015).
No que tange às mulheres, para Hessen (2015), o sistema fabril ao contrário de miséria e degradação, oferecia independência econômica. Assim, as mulheres preferiram trabalhar nas fábricas, em vez de aceitarem pesados serviços agrícolas ou em minas, e até mesmo o serviço doméstico; além disso, uma mulher com autonomia econômica, não seria levada ao casamento precoce.
Para Hessen (2015), a vida no campo não era tão idílica como observado em muitos relatos, pois nesse sistema, os trabalhadores faziam um investimento inicial custoso, para aquisição de um tear ou um filatório, e arcavam com a maioria dos riscos especulativos envolvidos[1]. Ao optarem por trabalhar nas fábricas, a sua casa deixara de ser uma fábrica de miniatura, tornando-se mais confortável, quieta e higiênica.
Novamente é possível encontrar em Engels (2008), oposição a essas afirmações, pois ele reconhece que as condições de vida dessas pessoas, especialmente a das crianças eram desfavoráveis fora das fábricas, mas afirma que essas condições também foram criadas pela elite da época. Destaca que se não fossem fiscalizada, essa elite iria tratar os operários de modo ainda mais abusivo. Conforme relatório da Factories Inquiry Commission, de 1833, os fabricantes às vezes chegavam a empregar crianças de cinco anos, mas frequentemente as de seis e sete anos, sendo que a maioria tinha entre oito e nove anos. A jornada de trabalho durava de catorze a dezesseis horas (não inclusas as pausas para refeição). Era permitido que os vigilantes castigassem fisicamente as crianças, quando não eram os próprios patrões que o faziam. 

As condições de trabalho de mulheres e crianças

Com o aperfeiçoamento da fiação, o setor de tecelagem manual teve de aumentar drasticamente os seus efetivos. Os trabalhadores rurais então abandonavam suas atividades camponesas e se apresentavam em grupos familiares nas fábricas, que contratava a família inteira para trabalhar. Isso durou enquanto as equipes de trabalho pequenas eram possíveis e vantajosas (um adulto ajudado por duas crianças). No caso da fiação, ao correr do século XIX, com o aperfeiçoamento das máquinas, seriam necessários até nove ajudantes. Já na tecelagem, ocorreu o contrário, pois o aperfeiçoamento das máquinas permitia que uma criança fizesse o trabalho de dois ou três homens, lançando milhares de desempregados á rua. (BRAUDEL, 1996).
Embora os salários fabris tendessem a ser mais altos que os da ‘indústria doméstica’ (exceto os pagos a trabalhadores manuais altamente qualificados e versáteis), os trabalhadores relutavam em trabalhar nelas, pois ao fazê-los as pessoas perdiam aquele direito com que haviam nascido – a independência. Na verdade, essa era uma das razões por que se contratavam de preferência mulheres e crianças, mais dóceis: em 1838 apenas 23% dos trabalhadores das fábricas de tecidos eram homens adultos. (HOBSBAWM, 2009, p. 64).
Na concepção de Engels (2008), as mulheres e crianças ocupando os postos de trabalho dos homens causava uma subversão na ordem familiar. Com a mulher trabalhando doze ou treze horas por dia e com o homem também ocupado, na fábrica ou em qualquer outro serviço, as crianças que ainda não podiam trabalhar, cresciam sem cuidados. Eram entregues à guarda alheia por 1 ou 1,5 shilling por semana. Era comum o emprego de narcóticos para manter as crianças sossegadas e essa era a principal causa dos numerosos casos de morte por convulsão. As mulheres, em sua maioria, voltavam ao trabalho três ou quatro dias após o parto, deixando o bebê em casa.
No início da industrialização, os fabricantes buscavam as crianças nas casas de assistência a infância pobre, que as alugavam em grupo, na condição de aprendizes. A partir de 1796, a opinião pública pronunciou-se contra esse sistema. Com a concorrência dos trabalhadores livres e o aperfeiçoamento das máquinas, gradualmente foi crescendo a oferta de trabalho para jovens e adultos. Assim, o número de crianças trabalhando reduziu-se proporcionalmente e a idade mínima dos trabalhadores raramente era inferior a oito ou nove anos. (ENGELS, 2008).  
Os maus tratos às crianças, segundo Engels (2008) incluíam socos e pontapés, principalmente pela manhã, no momento de serem retiradas das camas para trabalhar. Muitas dessas crianças e jovens, entre cinco e quinze anos não frequentava nenhuma escola ou abandonavam os estudos muito cedo. Consequentemente, metade de todos os delitos era cometida por pessoas com menos de quinze anos.
Por outro lado, Hessen (2015), afirma que críticas como essas, colocam todo o problema social da época na responsabilidade das fábricas. Mas está implícita na condenação do trabalho da mulher, a noção de que seu lugar era em casa e que seu único papel era cuidar do lar, do marido e dos filhos. Ou seja, o trabalho encorajaria o desleixo com os cuidados domésticos, a falta de subordinação feminina e o desejo por bens supérfluos. A roupa pronta era um exemplo, pois era então comprada ao invés de feita por elas mesmas, já que o seu preço se tornara acessível, graças à revolução na produção têxtil. 

A chegada da máquina de costura

O sistema de confecção de roupas em Londres, até a introdução da máquina de costura (1850) dividia-se em dois segmentos: o “elegante” e o “vulgar”. O segmento “elegante” contava com o trabalho de oficiais plenamente qualificados, a maioria de modo permanente, que trabalhavam nas instalações do patrão e recebiam por peça. No segmento “vulgar”, alfaiates e costureiras trabalhavam informalmente para grandes estabelecimentos com escassez de mão de obra e ainda havia a figura do sweater. Este era um intermediário, que recebia a encomenda e repassava o trabalho para costureiras e alfaiates, a uma remuneração muito abaixo do previsto para a tarefa, além dos descontos de alimentação e alojamento. (FORTY, 2007).
Em 1849, segundo Forty (2007), aproximadamente seis em cada sete trabalhadores do setor de vestuário de Londres estavam empregados no segmento “vulgar”, como informais ou sweated, fazendo camisas prontas e sobretudos para grandes lojas de roupas masculinas, além de uniformes e fardas.
Na concepção de Hobsbawm (2009, p.67),
A industrialização edificou fábricas de móveis e roupas, mas também fez com que marceneiros hábeis e organizados se transformassem em trabalhadores sub-remunerados e gerou aqueles exércitos de costureiras e camiseiras famintas e tuberculosas que comoviam a opinião da classe média mesmo naquela época extremamente insensível.
Com a comercialização das máquinas de costura, que aumentavam em muito a produção de quem trabalhava com agulha, era vantajoso trabalhar numa oficina que as fornecesse, o que levou os trabalhadores a se tornarem operários em fábricas ao invés de trabalharem em casa. O padrão e o corte das roupas eram determinados pelos patrões e lojas de varejo. As costureiras a máquina ganhavam uma fração do que ganhavam as costureiras à mão, por uma quantidade de trabalho equivalente e, ambas, trabalhavam por 12 horas ou mais. (FORTY, 2007).
            Além do crescimento populacional aliado à expansão dos centros urbanos, um dos fatores que contribuíram para a expansão da indústria do vestuário reside no campo das distinções entre as classes sociais. No século XVIII, o algodão estampado, por exemplo, era relativamente caro e era comprado por mulheres da classe média e alta. As mulheres da classe trabalhadora só usavam vestidos de algodão estampados de segunda mão, pois era mais comum entre a classe operária o uso de roupas de lã, em vez de algodão. Porém, com a grande expansão da indústria do algodão no século XIX, as mulheres das classes trabalhadoras puderam adquirir o produto, de tal modo que em 1818, constituíam quase todo o mercado interno consumidor do algodão estampado. (FORTY, 2007).
De fato, o algodão estampado era, segundo Engels (2008), um produto sujeito as flutuações da moda e por isso o trabalho não possuía um horário de operação regular. Desse modo, se haviam poucas encomendas, operavam a meio tempo, mas se um de seus artigos entrava na moda e os negócios iam bem, operavam até as dez horas da noite, à meia-noite e, às vezes, sem parar. 

As melhorias na qualidade de vida do trabalhador

O sistema utilizado nas fábricas têxteis não era somente um dos mais produtivos, mas também um dos mais desumanos e insalubres para os trabalhadores. Os movimentos pelas reformas trabalhistas em meados de 1800 vieram ao encontro dos anseios dos trabalhadores da indústria têxtil. (YAFA, 2005 apud BURNS e BRYANT, 2007).
Nas primeiras décadas do século XIX, surgiram leis em defesa dos trabalhadores, mas a seu cumprimento ainda não era efetivo. A proibição do trabalho noturno (das sete e meia da noite às cinco e meia da manhã) para menores de 21 anos e a jornada máxima de doze horas (nove aos sábados) são algumas dessas leis. Mas a maior reivindicação era pela jornada máxima de dez horas aos menores de 18 anos. Em 1833 algumas leis limitaram em no máximo doze horas o trabalho aos menores de 18 anos. Naturalmente, inspetores do trabalho ainda flagraram indústrias nas quais as crianças trabalhavam por quatorze ou dezesseis horas. (ENGELS, 2008). 
Poucos patrões, segundo Henderson (1969), tratavam seus operários de modo humano e civilizado. Estes poucos conscientes, reduziam as horas excessivas, pagavam um pouco mais que a média, e ofereciam aos seus operários cantinas, salas de leitura, casas decentes e serviços de saúde. Um exemplo é Robert Owen que nos primeiros anos do século XIX, transformou suas fábricas de algodão em um modelo. Introduziu a jornada de trabalho de dez horas, não empregava crianças muito novas e concedeu várias regalias aos operários e suas famílias. Outro exemplo é Titus Salt, fabricante de lã, que construiu uma cidade modelo para seus 3 000 funcionários, com toda a infraestrutura necessária. As casas eram bem construídas e havia hospital, escola, igrejas, entre outros serviços.
Na primeira metade do século XIX começaram algumas reformas legislativas que favoreciam os operários. Em 1831, uma lei determinou o pagamento de todos os salários em dinheiro, ao invés de vales; em 1833, houve a proibição do emprego de crianças menores de nove anos, limitando a jornada daqueles entre nove e dezoito anos e proibindo o seu trabalho noturno. Com o registro obrigatório dos nascimentos em 1837, foi possível fiscalizar as idades das crianças. Finalmente em 1847, a Lei das Dez Horas limitou o trabalho semanal das mulheres e menores de dezoito anos a 58 horas, com no máximo dez horas diárias. (HENDERSON, 1969).
Uma importante melhoria para os trabalhadores influenciou na qualidade de vida de toda a sociedade – a reforma sanitária ocorrida a partir de 1850. Quando se percebeu os riscos de contágio de doenças como cólera e tifo, foram tomadas medidas para a limpeza das cidades. Também ocorreram avanços nos conhecimentos médicos, expansão dos serviços hospitalares, estabelecimentos de lavabos e banhos públicos. Soma-se a isso a iluminação das cidades à noite e a criação das forças policiais. (HOBSBAWM, 2009; HENDERSON, 1969). 

O trabalho nas atividades ligadas à indústria da moda hoje

No século XX, com o estabelecimento de normas de segurança e leis trabalhistas, muitas foram as melhorias nas atividades ligadas a indústria têxtil. Entretanto, ainda no início do século uma tragédia envolveu trabalhadoras de uma fábrica em Nova York. Em 25 de março de 1911, a Triangle Shirtwaist Company incendiou, matando 145 trabalhadores, a maioria meninas imigrantes. A tentativa de deixar o prédio falhou porque as portas que davam para as escadas estavam trancadas por fora para evitar o roubo de material. (HISTORY.COM STAFF, 2009; BURNS e BRYANT, 2007).
Os gastos relacionados com o trabalho, segundo Burns e Bryant (2007), são fundamentais na tomada de decisão de uma empresa. Assim, questões como quantidade de trabalhadores, fabricação nacional ou estrangeira e qual é o investimento necessário para a produção são discutidas a fim de definir a estratégia de produção de cada empresa. Isso porque a fase de criação e desenvolvimento do produto de moda exige tecnologia e pessoal altamente qualificado. Diante disso empresas americanas e europeias investem fortemente na fase de desenvolvimento de produto e publicidade da marca, deixando a fase de produção a cargo de empresas terceirizadas, em países cujos custos totais são muito inferiores aos praticados no país de origem da marca. De acordo com Sheng Lu (2015) o valor mais alto da hora de trabalho na indústria têxtil pode chegar a $ 51.36 na Suíça e o mais baixo pode ser de $ 0.62 em Bangladesh e no Paquistão[2].
Conforme Kunz e Garner (2010), enquanto países desenvolvidos têm trabalhado para um comércio mais livre nos últimos cinquenta anos, o mesmo não ocorre quando se trata de imigrantes. No caso do vestuário, na Califórnia e na Flórida, é comum o emprego de mão de obra de imigrantes legais e ilegais. Dos que chegam a diversos países da Europa, muitos são transportados em navios de carga, escondidos entre os contâiners, ou transportados em pequenas embarcações, em número superior ao que o veículo suporta normalmente, levando a perda de vidas pelo caminho. Essas pessoas saem de seus países em função de guerras e outras demandas políticas e econômicas e ao chegar em países da Europa ou nos Estados Unidos se deixam explorar de muitas maneiras, suportando desde trabalho escravo até exploração sexual, uma vez que existe o risco de serem deportados. A exploração do ser humano é possível porque existem segmentos da população que são vulneráveis e, por outro lado, existem pessoas especializadas em tirar vantagem disso. Fatores que contribuem para essa vulnerabilidade incluem pobreza, gênero, idade e/ou origem étnica.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), segundo a Human Rights Watch (2016), estima que 168 milhões de crianças estejam envolvidas em trabalho infantil globalmente, e destas, 85 milhões em trabalhos perigosos que põe em risco a sua saúde ou segurança. O trabalho infantil em cadeias globais de suprimentos foi o tema do Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, em 12 de junho de 2016, em Genebra. Atualmente, por exemplo, existem crianças trabalhando em minas de ouro nas Filipinas e na Tanzânia, tecelagem de tapetes no Afeganistão, em campos de tabaco nos Estados Unidos e em assentamentos agrícolas na Cisjordânia. 

Sweatshops

 De acordo com Burns e Bryant (2007), a definição do termo “sweatshop” pode variar e seriam estas algumas delas:
·         Um empregador que viola duas ou mais leis trabalhistas federais, relativas à segurança e saúde ocupacionais, remuneração do trabalhador, ou outras leis regulamentadoras.
·         Trabalho no qual a remuneração está abaixo do piso da categoria; jornada de trabalho excessivamente longa sem pagamento de hora extra; ambiente de trabalho insalubre; trabalhadores que sofrem constantemente assédio moral ou sexual; trabalhadores não habilitados a se reunirem para negociar melhores termos de trabalho.
·         Locais que geralmente empregam de 20 a 50 trabalhadores, muitos deles imigrantes ilegais, dispostos a suportar longas jornadas de trabalho, baixa remuneração e condições de trabalho miseráveis, somente para ter um emprego. Os proprietários pagam em dinheiro, mas frequentemente se negam a pagar o piso salarial da função, as horas extras, os feriados e outros benefícios.
Em função da natureza altamente descentralizada da indústria têxtil, é difícil estimar o número de sweatshops nos Estados Unidos e ao redor do mundo. Com as constantes levas de imigrantes que desembarcam em diversos países do mundo, a mão de obra desse tipo de negócio é constante. (BURNS e BRYANT, 2007).
Em Bangladesh, de acordo com Hunter (2015), milhares de crianças trabalham em fábricas ilegais que não são inspecionadas, em longas jornadas de trabalho. As fábricas fazem roupas para o mercado local e indiano, mas também fornecem para marcas internacionais famosas e estabelecidas através de subcontratos, o que torna difícil para as empresas saber exatamente de onde todas as suas roupas estão vindo.
As crianças, que não frequentam a escola, são incumbidas das mais diversas tarefas, do bordado de lantejoulas ao tingimento de tecidos, e até limpeza. Os trabalhadores do vestuário trabalham seis dias por semana, desde o amanhecer até o anoitecer e seus proventos estão bem abaixo de um salário mínimo. Quando acaba a jornada, dormem dentro da própria fábrica ou em quartos alugados próximos ao local de trabalho. De acordo com a UNICEF, há aproximadamente um milhão de crianças de 10 a 14 anos trabalhando como operários em Bangladesh, mas o número é muito maior quando a faixa de idade é expandida.
            De acordo com Burns e Bryant (2007) a indústria do vestuário é a fonte mais rentável da economia de Bangladesh porque movimenta 25 bilhões de dólares em exportações anualmente e emprega 04 milhões de trabalhadores, principalmente mulheres. Depois da China, Bangladesh é o segundo maior exportador de vestuário do mundo. O país tem tido destaque desde o colapso do Edifício Rana Plaza em um subúrbio da capital Daca, em 2013, no qual mais de 1.100 pessoas morreram, a maioria costureiras.
Por sua vez, o governo de Bangladesh, representado por Syed Ahmed, inspetor geral das fábricas, afirma que atualmente 81% das fábricas aderiram às normas referentes à segurança estrutural e prevenção contra incêndios. Do restante, enquanto umas foram fechadas, outras receberam notificação e prazo para regularização. (HUNTER, 2015).

Aplicações da ergonomia no trabalho

 Segundo Guérin et al. (2001) todo e qualquer trabalhador deve ter a sua integridade física assegurada durante o desempenho das suas funções, pois toda atividade, seja ela braçal ou intelectual, tem algum impacto sobre a saúde do indivíduo.  
De acordo com Dul e Weerdmeester (2004), durante as atividades decorrentes do trabalho, é preciso respeitar a biomecânica do corpo humano. As articulações não devem ser forçadas, o corpo não deve ser curvado demais e recomenda-se alternar as posturas e movimentos. O conforto físico do trabalhador durante a atividade é resultado de uma série de requisitos que devem ser contemplados.
Durante a interação do ser humano com máquinas e equipamentos, é importante considerar o estado de conservação destes. Segundo Dul e Weerdmeester (2004) máquinas antigas podem produzir mais ruído e vibrações com o tempo de uso e desgaste das peças, causando desconforto ao trabalhador. Também há a influência das condições do local onde a tarefa é realizada. A iluminação do ambiente e do posto de trabalho deve ser regulada conforme a função desempenhada. Porém, a exposição contínua a níveis altos de luminosidade também pode provocar fadiga visual. O conforto climático, por sua vez, depende basicamente de quatro fatores: temperatura do ar, calor radiante, velocidade do ar e umidade relativa. O tipo de atividade física e o vestuário também influenciam o conforto térmico.
O espaço no qual se desenvolve a atividade e as dimensões das máquinas e equipamentos devem estar de acordo com o trabalhador. Conforme Iida (2005), embora homens e mulheres não sejam intelectualmente diferentes, se diferem em suas funções fisiológicas, capacidade cardiovascular, forças musculares e dimensões antropométricas. Nesse último item, ressalta-se o fato de que as máquinas e postos de trabalho são projetados para os homens, mesmo nos casos em que há predominância de mão de obra feminina. Diante da falta de adaptação desses equipamentos, o trabalho torna-se mais difícil e fatigante para as mulheres.
 Durante muitas atividades industriais é comum que o trabalhador seja exposto a agentes químicos. Segundo Dul e Weerdmeester (2004) a exposição a substâncias químicas deve ser evitada, pois muitas são cancerígenas e podem causar má formação congênita. O contato pode ser por meio de ingestão, inalação ou através da pele e dos olhos. Diante disso, existem normas regulamentadoras internacionais que definem limites de tolerância para a exposição a esses produtos. De acordo com Iida (2005), apenas uma pequena parcela dos agentes químicos utilizados pela indústria foi estudada quanto aos prejuízos à saúde. Aqueles que são absorvidos por meio da inalação são os mais frequentemente utilizados em ambientes de trabalho e são conhecidos como aerodispersoides. São classificados em: poeiras, fumos, gases, vapores e neblinas.
Outro fator que influencia a qualidade de vida do trabalhador é o turno e a duração da jornada de trabalho. O trabalho noturno para Grandjean (1998) engloba a atividade desempenhada por um funcionário que cumpre o seu turno de trabalho durante o período da noite ou que inicia a sua jornada de trabalho na primeira hora da manhã e ao adentrar da noite permanece ainda em atividade no seu posto de trabalho. Entretanto a maioria das análises se concentra nos trabalhadores em turnos. As consequências do trabalho noturno são fisiológicas, porque o organismo tende a uma desaceleração à noite, e sociais, porque a atividade leva ao isolamento em relação á família. As consequências fisiológicas podem ser explicadas por meio das oscilações no ritmo circadiano, que pode ser descrito como uma espécie de relógio interno que define o horário das atividades do ser humano durante um período de 22 a 25 horas aproximadamente, variando entre os indivíduos. As funções que estão relacionadas ao ritmo circadiano são o sono, a capacidade de produção, o metabolismo, a temperatura corpórea, a frequência cardíaca e a pressão sanguínea.
No que concerne ao trabalhador cuja jornada inicia pela manhã e segue durante a noite, pode-se observar as análises de Grandjean (1998) em relação à fadiga. Esta pode ser dividida em dois tipos principais: a fadiga muscular e a fadiga generalizada. A primeira ocorre quando determinado grupo muscular é mais exigido que os demais por um período determinado de tempo, causando o seu enfraquecimento. A segunda ocorre quando o corpo todo enfraquece em função de uma grande exigência visual, mental, psicomotora, circadiana e física, além da fadiga gerada pela monotonia do trabalho e do ambiente.
Todos os fatores apresentados, em conjunto ou isoladamente, propiciam um campo fértil para os acidentes de trabalho. Diversas condições resultam em acidentes, uma vez que a interação entre homem e máquina é permeada por uma série de atributos de ambas as partes. Por parte do maquinário deve-se observar o estado de conservação das máquinas, a segurança dos equipamentos e o ambiente de trabalho. Por parte do trabalhador existe a influência da idade, da experiência, da fadiga, do sono, da alimentação, além dos fatores psicológicos e sociais.
Para Iida (2005) em atividades industriais, jornadas muito longas causam redução de desempenho. O ideal é que a duração máxima do dia de trabalho se mantenha entre 8 e 8,5 horas para se manter uma boa produtividade, pois se estendida por 9 horas ou mais, a produtividade não aumentará. 

Discussão

           Alguns pontos podem ser levantados para discussão, uma vez que é possível observar uma correspondência entre questões que existiam no início da Revolução Industrial e que ainda se mantém atuais.
A sazonalidade inerente à indústria da moda, bem como a influência da mídia em uma sociedade cujos valores são pautados no consumo, colaboram para a manutenção de um sistema produtivo acelerado. É o caso do fast fashion, um padrão de produção que lança pequenas coleções de roupas que devem ser vendidas rapidamente e substituídas por outras, a um baixo custo para o consumidor e sem grandes pretensões em temos de qualidade e durabilidade do produto. Esse sistema é empregado por grandes varejistas, como Zara, H & M, GAP etc., e no Brasil por lojas como Renner, C & A, Marisa e diversas outras. De acordo com Burns e Bryant (2007) para que este modelo de negócios funcione é preciso que haja agilidade no fornecimento e produção, com baixo custo e tempo reduzido.
Na opinião de Boriello (2016), o ritmo acelerado do fast fashion, em função da variedade e da rapidez com que esse sistema entrega novas coleções a preços acessíveis à grande massa, está diretamente ligado às condições de trabalho. Isso porque, essa demanda é atendida por países com baixíssimo custo de mão de obra, em regime de exaustão do trabalhador, que passa extensas horas nas máquinas e com baixa remuneração. As condições dos locais também são precárias e o maquinário é frágil e desgastado.
Um processo semelhante ocorreu no século XVIII, quando a demanda por têxteis cresceu e os teares passaram por melhorias que aumentaram a atividade da tecelagem, exigindo a contratação de um grande número de trabalhadores. Porém as condições de trabalho exigiam um ritmo de trabalho demasiadamente acelerado, o que causava acidentes de trabalho e jornadas exaustivas para homens, mulheres e crianças. Em função da grande demanda, a força de trabalho foi reforçada com a vinda de imigrantes que, assim como as mulheres e crianças, também aceitavam salários menores.
Atualmente, imigrantes que deixam os seus países por motivos de guerras e questões políticas, costumam encontrar vagas em sweatshops, especialmente no ramo da confecção de vestuário. As peças confeccionadas, muitas vezes recebem etiquetas de grandes marcas de moda do mundo todo, inclusive de Paris. Embora essa prática proporcione uma considerável economia em custos fixos (mão de obra) para as empresas que recorrem a esses prestadores de serviço “alternativos”, as perdas sociais são difíceis de mensurar. Cabe o questionamento em relação a transferência do trabalho para um terceirizado e se assim também há a transferência da responsabilidade social, ambiental e trabalhista para o empregador direto.
O emprego de mão de obra infantil ainda é uma prática recorrente em muitas empresas ligadas à moda. Destas crianças, a maioria não estuda e habita em condições precárias, pois ao final da jornada, parte desses trabalhadores dorme dentro da própria fábrica, enquanto outros moram próximo ao trabalho em quartos alugados em prédios em condições semelhantes à das fábricas. O que remete ao sistema da tommy shop (comércio de víveres) e do cottage system (casas de aluguel), ambos do empregador.
Ao empregar crianças em funções de adultos, além de violar o direito da criança a sua formação escolar, o empregador ainda impõe riscos à saúde de um ser humano cuja estrutura física ainda não está completamente formada. Deformações na coluna vertebral, alterações de crescimento, problemas de visão, são alguns dos prejuízos causados por atividades exercidas dentro das sweatshops, podendo chegar a amputações e eletrocussões.
No que concerne ao trabalho feminino, predominante no ramo têxtil, diversos são os aspectos a se considerar. Para Souza-Lobo (1991), o primeiro obstáculo a ser superado pelas operárias é a dupla jornada, pois além da baixa remuneração no trabalho a mulher desempenha funções domésticas não remuneradas. Segundo a autora, existe uma ideologia sobre o lugar da mulher na família e sua vocação “natural” para a maternidade.
A partir do século XVIII, quando as mulheres começaram a deixar o lar em tempo integral, para dedicarem a maior parte do seu tempo ao trabalho na fábrica, houve uma ruptura no sistema familiar tradicional. Para Engels (2008) essa necessidade da mulher de ajudar a compor a renda familiar, foi a causadora de uma subversão na ordem dentro da família, ou seja, se o marido recebesse uma remuneração digna e justa, teria condições de prover sozinho o sustento do lar e de toda a sua família. Dessa forma, a princípio, continuaria sendo responsabilidade exclusiva da mulher o cuidado do lar e das crianças.
A independência da mulher ao longo dos séculos vem sendo conquistada aos poucos e em função de uma série de mudanças que vem ocorrendo na sociedade como um todo. Naquele momento histórico, porém, parece não ter sido uma escolha das mulheres o trabalho nas fábricas, mas a única alternativa frente à fome e a miséria. Para Hessen (2015) essa conjunção econômica e social favoreceu a emancipação feminina, promoveu a adiamento dos casamentos precoces e da dependência financeira da mulher em relação ao marido e, assim sendo, não teria sido necessariamente prejudicial.
Outro fator importante que pode ser relacionado ao trabalho feminino, especialmente no setor de confecção do vestuário, seria a qualificação para o trabalho. Para Souza-Lobo (1991, p. 259), “...as qualificações femininas – os talentos das mulheres – não configuram qualificações formais e não encontram correspondência em termos de carreira ou de salário”. As habilidades para o trabalho industrial são consideradas inatas, tais como destreza, rapidez, concentração, disciplina etc., porque dispensam cursos e diplomas.
Todas essas demandas advindas da relação entre patrões e empregados de uma certa forma contribuem para o aperfeiçoamento das máquinas, como já vem acontecendo ao longo da história. Atualmente já existem diversos movimentos por parte da indústria global no sentido de robotizar a produção, substituindo o homem pela máquina sempre que possível, nas funções operacionais. Nos Estados Unidos, cuja manufatura era quase totalmente feita no exterior, o Fundo Walmart está financiando pesquisas para o desenvolvimento de um sistema completo de robotização da costura. Na Alemanha, a Adidas está instalando na cidade de Ansbach a sua primeira fábrica totalmente automatizada e robotizada, a Speed Factory. Inclusive o governo da China vai investir bilhões para que grande parte de suas fábricas estejam robotizadas até 2020, incluindo o setor têxtil e de confecção. (BORIELLO, 2016).

Considerações finais

        Ao analisar as condições de trabalho no ramo têxtil no início da industrialização, pode-se perceber a falta de condições adequadas de trabalho. Embora hoje existam fábricas modelo no setor que cumprem todas as exigências sanitárias e de segurança do trabalho, ainda há empresas que mantém condições indignas de trabalho, nos moldes pré-industriais, especialmente na confecção de vestuário.
Desde o início da industrialização existiram divergências entre patrões e empregados, independentemente do ramo de atividade, sexo ou nacionalidade. No setor têxtil, particularmente, por diversos fatores, a mão de obra era composta em sua maioria de mulheres e crianças.
Atualmente, empresas ligadas à indústria da moda ainda operam nos moldes pré-industriais no que concerne às condições de trabalho. Nesses locais há trabalho infantil e até escravo, não são tomadas medidas para a segurança dos funcionários e do ambiente de trabalho e a remuneração é abaixo do praticado no setor.
A ergonomia, por ser uma ciência que estuda a relação do ser humano com o seu trabalho por meio do conhecimento das suas capacidades e limitações, vem ao longo das décadas melhorando essa relação. Através da aplicação dessa ciência aos processos, ambientes, máquinas e sistemas, o trabalho torna-se uma atividade que além de sustento proporciona satisfação ao trabalhador. Isso porque toda atividade humana causa algum desgaste, porém se a atividade estiver adequada ao trabalhador essa interação será proveitosa. Dessa forma, o trabalho será mais ágil e eficiente, pois o funcionário sente o mínimo desconforto possível e pode manter o nível de produtividade durante toda a jornada e ao longo dos anos.

REFERÊNCIAS

BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVII. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

BORIELLO, Silvia. Quarta Revolução Industrial na Confecção. Costura perfeita. São Paulo, nº 92, bim. 2016.

BURNS, Leslie D.; BRYANT, Nancy O. The business of fashion: designing, manufacturing, and marketing . 3rd. ed. New York: Fairchild Publications, 2007.

DUL, Jan; WEERDMEESTER, Bernard. Ergonomia prática. 2. ed. São Paulo: E. Blucher, 2004.

ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2008.

FORTY, Adrian. Objetos de desejo: design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

GUÉRIN, F. et al. Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática da ergonomia. São Paulo: E. Blucher, 2001.

GRANDJEAN, Etienne. Manual de ergonomia: adaptando o trabalho ao homem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

HENDERSON, William O. A revolução industrial 1780-1914. Lisboa: Verbo, 1969.

HESSEN, Robert. Os efeitos da revolução industrial nas mulheres e crianças. Portal libertarianismo, 2015. Disponível em: <http://www.libertarianismo.org/index.php/artigos/os-efeitos-da-revolucao-industrial-nas-mulheres-e-criancas/> Acesso em: 20 jul. 2016.

HISTORY.COM STAFF. Triangle Shirtwaist Factory Fire. 2009.
Disponível em: <http://www.history.com/topics/triangle-shirtwaist-fire> Acesso em: 07 ago. 2016.

HOBSBAWM, Eric J. Da Revolução Industrial inglesa ao imperialismo. 5ª Ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.

HUMAN RIGHTS WATCH. Global Profits, and Peril, from Child Labor. Nova York, 2016. Disponível em: < https://www.hrw.org/news/2016/06/06/global-profits-and-peril-child-labor> Acesso em: 16 ago. 2016.

HUNTER, Isabel. Crammed into squalid factories to produce clothes for the West on just 20p a day, the children forced to work in horrific unregulated workshops of Bangladesh. 2015. Disponível em: <http://www.dailymail.co.uk/news/article-3339578/Crammed-squalid-factories-produce-clothes-West-just-20p-day-children-forced-work-horrific-unregulated-workshops-Bangladesh.html> Acesso em: 07 ago. 2016.

IIDA, Itiro. Ergonomia: projeto e produção. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: E. Blucher, 2005.

KUNZ, Grace I; GARNER, Myrna B. Going global: the textiles and apparel industry. New York: Fairchild Publications, 2010.

PEZZOLO, Dinah B. Tecidos: história, tramas, tipos e usos. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2007.

SHENG LU. World Textile Industry Labor Cost Comparison. FASH455 Global Apparel & Textile Trade and Sourcing, 2015. Disponível em: <https://shenglufashion.wordpress.com/2015/01/25/2014-world-textile-industry-labor-cost-comparison/> Acesso em: 08 ago. 2016.

SOUZA-LOBO, Elisabeth. A classe operária tem dois sexos: trabalho, dominação e resistência. São Paulo: Secretaria Municipal de Cultura: Brasiliense, 1991.




[1] Como explica Hobsbawm (2009) a maioria das atividades, incluindo a produção de vestuário, continuava a empregar métodos inteiramente tradicionais, sendo limitada a utilização de novos materiais. Em face da enorme expansão da procura, os industriais complementavam sua produção fabril com a utilização de algo semelhante ao sistema domiciliar. Pode-se perceber que, a fim de complementar a produção das fábricas, os empresários da época recorriam a uma espécie de terceirização da produção, que era feita nas casas dos camponeses, em oficinas domésticas.

[2] Os dados abrangem os setores primários da indústria têxtil (fiação, tecelagem, tingimento e acabamento). Corte e operações de costura não fazem parte dessas comparações, porém outras fontes consultadas indicam números semelhantes aos dados apresentados.

Comentários